Dois dípticos.
“Certeza” e “Incerteza” são dois dípticos que se relacionam intimamente à questão da natureza aleatória dos eventos quotidianos. Em ambos, faço uso do famoso conto “A Loteria em Babilônia”¹, de Jorge Luis Borges: uma narrativa fantástica na qual o autor percebe a realidade como “um infinito jogo de acasos”. Nos trabalhos, contraponho a primeira página desse conto, fotocopiada e com intervenções minhas, a um fotograma e a uma colagem. Em “Certeza”, colei algumas folhas de papel vegetal sobre a fotocópia de tal página, de modo a tornar o texto de Borges cada vez menos nítido, criando camadas sobre ele e velando-o, mas não por completo. Por último, apliquei tinta branca por cima, de forma que é quase impossível ler o texto. Ao lado dessa intervenção, incluí uma colagem de uma planta seca, totalmente pintada de branco. Procurei preservar o caráter tátil de “Certeza” e contrapô-lo ao distanciamento gerado pelas camadas de tinta e de papel, que impossibilitarão o espectador de ter absoluta certeza se o texto é realmente de Borges, como é dito no título, ou se não o é. Já em “Incerteza” a fotocópia da página foi integralmente coberta por tinta spray preta, salvo a expressão “a incerteza”, que consta nas décima quarta e décima quinta linhas do primeiro parágrafo do conto. Agora, a informação fornecida pelo título pode ser verificada pelo espectador com o auxílio de um exemplar do livro, por comparação. Ao lado da página fotocopiada, coloquei um fotograma de uma planta. Aqui o toque não é permitido, pois há uma camada de vidro entre o trabalho e o espectador, mostrando o descompasso entre o que pode ser apreendido pelos sentidos e a natureza da própria realidade.
¹ BORGES, Jorge Luis. A loteria em Babilônia. In: ______. Ficções. São Paulo: Abril, 1972. p. 67-75.
Tamara Chagas, 2013.
Certeza (BORGES apud CHAGAS), 2013.
Incerteza (BORGES apud CHAGAS), 2013.
